Discurso de posse


DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DE PALHOÇA, EM 17/12/2003.

ACADÊMICA: DÉSPINA SPYRÍDES BOABAID.

Senhor Presidente

Dignos Membros da Diretoria da Academia de Letras de Palhoça

Prezados Acadêmicos

Senhores Senhoras


É com um misto de alegria e emoção que ingresso na Academia de Letras de Palhoça. Alegria, por sentir que algo expressivo está acontecendo para incentivar a cultura e as letras, nesse pedaço de terra catarinense.

Penhorada, quero fazer um agradecimento a todos que nos honraram com a sua presença e fazer uma saudação muito cordial, bem como a todos os nossos prezados confrades desta assembléia.

Convocada para ocupar a cadeira que leva, como patrono, o nome do meu falecido esposo José Boabaid, comovida, fico a pensar que os homens que, em vida, buscaram trilhar os caminhos da justiça, do trabalho e da dedicação ao bem comum, quando passam para o outro plano da vida, não são esquecidos, mas sua imagem continua viva no reconhecimento e na admiração dos pósteros.

Foi grande, por certo, o meu contentamento e o de minhas filhas Margaret e Lylian, por esse gesto nobre àquele que dedicou o melhor de suas atividades à educação, à cultura e ao povo de Santa Catarina, vivendo e sentindo, até o fim de seus dias, as lutas e as glórias da terra por que sempre se esforçou por exaltar e bem servir.

O patrono José Boabaid como esposo e como pai foi exemplar.

No seio de minha família, um só dia não passa sem que o evoquemos com devoção e terna saudade.

A sua inteligência, a sua bondade, a maneira de encontrar soluções práticas e razoáveis diante das dificuldades, a sua preocupação para com o próximo, a sua condescendência para com os menos favorecidos, a sua afabilidade no trato com as pessoas de qualquer nível social, a sua modéstia são algumas das virtudes que faziam a grandeza de sua personalidade.

Era filho de Abraão Boabaid e de sua esposa Sada Boabaid.

Estudou as primeiras letras no Colégio dos Franciscanos e fez o curso ginasial no então Ginásio Catarinense mais tarde Colégio Catarinense, ambos em Florianópolis.

Sua vida funcional foi dedicada ao magistério, à política e à advocacia. No magistério tinha preferência pela cadeira de História.

Foi nomeado para exercer o cargo de adjunto de promotor público da comarca de Palhoça.

Com o falecimento de seu pai e de seu cunhado, ficou como arrimo de sua mãe, suas irmãs e das três sobrinhas órfãs de pai, fato que contribuiu para forjar sua personalidade humanitária.

Em 1936, na eleição realizada para vereadores à Câmara Municipal de Palhoça, foi eleito, em primeiro turno, pelo Partido Liberal Catarinense.

No mesmo ano foi nomeado Diretor do Grupo Escolar e Escola Normal Primária “Venceslau Bueno” do Município de Palhoça.

Ainda em 1936 concluiu o curso de Direito, vindo a colar grau um ano mais tarde porque ainda tramitava o processo de oficialização e registro da Faculdade, fazendo então parte da primeira turma de formandos da Faculdade de Direito de Santa Catarina.

Foi designado para exercer o cargo de Inspetor Escolar e, logo após, para o de Inspetor Geral do Ensino Normal do Estado.

Em 1947, foi eleito deputado pelo partido Social Democrático, com expressiva votação, exercendo o mandato até janeiro de 1951.

Sua conduta e senso de responsabilidade o colocaram em evidência em todo o Estado. Foi eleito por unanimidade dos seus pares, em quatro eleições consecutivas, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, quando subscreveu e promulgou a Constituição de 1947, tendo participado ativamente na sua elaboração.

Naquela ocasião, o governador eleito, Sr. Aderbal Ramos da Silva, por motivo de saúde, viu-se forçado a se afastar do cargo. Por força de preceito Constitucional, assumiu o comando do governo do Estado, por dois períodos, perfazendo um total de aproximadamente dois anos.          No governo do Estado, José Boabaid teve oportunidade de nomear diversos desembargadores que vieram a se tornar presidentes do Poder Judiciário.

Deu prosseguimento à obra de implantação dos sistemas de energia e de água Estado.

Em sua administração dedicou-se com empenho aos interesses do magistério e da educação em seus diversos níveis.

Por onde passou, foi sempre estimado por seus companheiros e especialmente pela classe política e mereceu o respeito e o apreço até mesmo dos adversários políticos.

Um traço característico de sua personalidade e que constituiu sua própria grandeza: entre os humildes se havia como um deles; nas rodas de alto honor era aquela figura à altura da dignidade do cargo.

Nos seus arquivos encontram-se, entre muitas outras anotações, as de verbas que foram destinadas à abertura e conservação de estradas do Município de Palhoça, a da dotação para a construção do prédio do Mercado Municipal na sede do Município, cuja construção foi administrada pelo então prefeito Ivo Silveira (e mais tarde governador do Estado) e hoje presente entre nós, como dileto confrade.

Transcrevemos, a seguir, um trecho do discurso pronunciado, em março de 1949 pelo então governador José Boabaid no ato inaugural do edifício do Fórum em Lages, onde enumera algumas realizações do governo referentes ao ano de 1948:

Ao inaugurar-se o Fórum de Lages, abre-se-me o ensejo para, em rápido escorço, dizer aos catarinenses o que tem sido a gestão do governante que, ora, por força de preceito constitucional, se desincumbe da alta investidura de Chefe do Executivo Catarinense.

No decurso do exercício de 1948, com severas e cuidadosas providências acauteladoras das finanças, pela compressão rigorosa das despesas consideradas adiáveis, assegurou-se à administração pública soma grandiosa de realizações.

Assim é que se concluiu a construção de oito prédios escolares, duas Delegacias Regionais, uma Cadeia Pública, um Centro de Saúde, um Posto de Puericultura, dois Postos de Defesa Sanitária Animal, uma ponte de concreto sobre o Rio do peixe, um mercado e uma estação transformadora.

Aumentos de vulto se fizeram em sete grupos escolares, uma delegacia regional e um posto de puericultura.

Em construção se acham treze Grupos Escolares, duas Escolas, duas Delegacias Regionais, uma Cadeia Pública, a Maternidade de Florianópolis, um Posto de Saúde em Itajaí e obras complementares vultuosas, nas Colônias Santana, Santa Tereza, no Hospital Nereu Ramos e no Parque Infantil de Florianópolis.

Com essas obras enumeradas despendeu o erário 13 milhões 124 mil Cruzeiros.

Em vias de conclusão se acham as obras da adutora de Florianópolis e a ponte sobre o Ribeirão Garcia, em Blumenau.

Já está concluído o pavilhão de bovinos no recinto da Exposição de Lages.

Acha-se em início a remodelação da Ponte Hercílio Luz.

Com essa exposição desejei apenas evidenciar o panorama administrativo da atualidade catarinense, tão somente no setor das obras públicas.

Continuando o vasto programa de realizações iniciado com o governo Nereu Ramos é um grato prazer que trago ao vosso conhecimento haver o governo concretizado mais uma aspiração do laborioso e bravo povo lageano, tendo sido assinado no dia 9 do corrente, com o Escritório Saturnino de Brito, a construção da rede de esgotos de Lages.

No seu campo específico que era a advocacia, profissão que ele exerceu até o fim da vida, José Boabaid venceu muitas causas importantes. Em seu escritório atendia a todos. Mesmo a pessoas de poucos recursos que não tinham como arcar com o pagamento dos honorários, por vezes ainda os ajudava para poderem voltar a sua casa:

Doutor não tenho como lhe pagar.

-Vá com Deus, amigo, e seja feliz.

E à época de Natal, em sinal de agradecimento, apareciam lá em casa alguns perus vivos e outros produtos da colônia.

Foi, por diversas vezes, Conselheiro da Ordem dos Advogados.

Posteriormente foi nomeado Assessor Técnico da Assembléia Legislativa do Estado e, em 1964, após quarenta e vários anos dedicados ao serviço do Estado, recolheu-se a uma aposentadoria justa e merecida no cargo de Procurador daquele Poder.

Em 1972, em 26 de novembro, um dia após a comemoração do onomástico da padroeira Santa Catarina, José Boabaid passou desta para a outra vida, tendo servido dignamente a terra que ele tanto amou, deixando um grande vazio na família, esposo exemplar que foi e pai amoroso e dedicado.

Tenho a certeza de que onde estiver, estará fazendo votos pelo sucesso da Academia, para que ela cumpra galhardamente os seus objetivos.

Na sessão em homenagem póstuma, no recinto da Assembléia Legislativa, vários oradores se fizeram ouvir, para expressar e definir o perfil e a personalidade de José Boabaid.

São depoimentos fidedignos de parlamentares que o conheceram, que privaram do seu convívio e sabem de sua atuação como político e como cidadão.

Permiti-me senhores, transcrever algumas referências.

O Deputado Telmo Ramos Arruda, representando a Aliança Renovadora Nacional, assim se expressou:

Como homem foi simples, despido de orgulho e vaidade, como cidadão foi elevado à cúpula da sociedade, ocupando a presidência desta Casa, e, em decorrência, a chefia do Estado de Santa Catarina, permanecendo o mesmo homem. Sua elevação, sua grandeza, sua glória em nada alteraram a bondade de seu coração. José Boabaid, durante o período em que governou o Estado, teve a habilidade de imprimir uma administração dinâmica, sem entretanto, quebrar a orientação da administração anterior.

O Deputado Nelson Tófano, representando o Movimento Democrático Brasileiro, assim se expressou:

Sua passagem por esta Casa está perenemente marcada por uma atuação correta e digna de exemplo. E falando em disciplina partidária: A mesma disciplina partidária que, tenho a certeza foi tantas vezes colocada em destaque pelo ilustre palhocense que hoje estamos a reverenciar.

A morte com suas parcas traiçoeiras o colheu num dia límpido de novembro não muito longe do Palácio onde tantas e tantas vezes, sua figura vigorosa subia as escadarias, para tomar decisões próprias dos homens de tirocínio.

E o Presidente Deputado Nelson Pedrini se manifesta, reverenciando a memória de um dos ex-integrantes da Assembléia legislativa, ilustre e virtuoso pelo que realizou no exercício do seu mandato, engrandecendo e dignificando este Poder.

Com a perseverança dos que sabem o quanto pode ser realizado pelo esforço próprio, buscou no estudo o caminho para sua afirmação como cidadão e como ser humano.

Em todas as funções da mais alta representatividade política e administrativa, José Boabaid deu o máximo de si, no sentido de dignificá-las e de corresponder à confiança dos mandatos que lhe foram outorgados.

Jamais desejou ser causa de problemas, mas sim de soluções.

Foi de uma retidão indesviável.

Que os seus parentes e amigos recebam esta manifestação da Assembléia Legislativa, como um testemunho de admiração, de apreço e de estima a quem soube legar exemplos tão marcantes de interesse e de colaboração preciosa no processo de desenvolvimento e de afirmação de Santa Catarina.

O Deputado João Estivalet Pires:

Falar de José Boabaid não se pode distinguir qual das qualidades se deve salientar: amigo nobre, fiel e dedicado para com seus colegas, soube sempre granjear a estima de todos, o que lhe valeu durante uma legislatura a exercer ininterruptamente a Presidência do Poder Legislativo de Santa Catarina.

Neste momento ressaltam aos nossos lábios palavras de admiração e aplauso àquele que por quatorze anos consecutivos esteve à frente da Academia Catarinense de Letras como seu afeiçoado e dinâmico presidente Dr. Paschoal Apóstolo Pítsica digno Presidente de Honra da nossa Academia. E tanto conseguiu fazer que, conforme palavras do acadêmico Lauro Junckes, o prestígio da Entidade tornou cobiçosa e honrada a sua ocupação.

Paschoal foi um batalhador incansável por tudo que diz respeito às letras e à cultura de Santa Catarina. E foi tão marcante a sua presença nessa área que tenho a impressão, ele não partiu para outras paragens, mas está vivo entre nós, incentivando, colaborando, aplaudindo. E se a minha fantasia não está a exorbitar, Paschoal, lá nos paramos da glória, livre das limitações do tempo e da matéria, deve estar atuando, com alma e coração, empenhado na fundação de alguma Academia.

Paschoal é meu sobrinho, filho de minha irmã Anastacía, in memoriam, e faço este registro com redobrado orgulho, profunda emoção e carinhosa saudade.

Palhoça teve a glória de ter dado ao nosso Estado dois governadores. Quero registrar que nos é grato ver, entre nós, o Dr. Ivo Silveira, outro palhocense ilustre que foi governador do Estado, hoje, patrono de uma das cadeiras da Academia e primeiro ocupante da mesma, como nosso dileto confrade.

Quero agora expressar um voto de louvor aos iniciadores e idealizadores da fundação da Academia de Letras de Palhoça, na pessoa de seu presidente, professor João Francisco Vaz Sepetiba, familiarizado e sempre esforçado no mundo das letras, dando a sua cooperação e o seu incentivo. Sua esposa, Professora Zelka de Castro Sepetiba, é ocupante da cadeira n° 8 da nossa Academia.

Por uma coincidência curiosa, aqui estamos três mulheres que em tempos idos, num mesmo dia, demos entrada na Maternidade Carlos Correia, desta Cidade, para darmos à luz nossas primogênitas. São, além de mim, Carmen Maria de Carvalho Lima e Liene Collaço Paulo e hoje novamente, lado a lado, estamos presenciando e promovendo o nascimento de uma Academia de Letras.

Palhoça, na história da minha vida, tem uma passagem digna de nota: tendo eu terminado o Curso Normal de Professores no Colégio Coração de Jesus, de Florianópolis, fui, indicada por aquele Colégio, contemplada pelo Estado, com uma bolsa de estudo na Associação Brasileira de Educação e no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, no Rio de Janeiro.

Ao fim do currículo de quatro meses, quando regressei a Florianópolis, já havia acontecido o concurso de ingresso ao magistério. Fui então nomeada interinamente, por alguns meses, professora no Grupo Escolar “Venceslau Bueno” da cidade de Palhoça.

À época, era diretor daquele estabelecimento o professor e já advogado em início de carreira, José Boabaid. Foi quando nos conhecemos. Os fados falaram por nós e, dez anos mais tarde, contraímos núpcias. Foi a voz do destino que nos uniu.

Do nosso matrimônio nasceram: Margaret, hoje formada em Engenharia de telecomunicações e Lylian, em Arquitetura e Educação Artística. Elas nos deram quatro queridos netos: Ricardo e Eduardo Spyrídes Boabaid Pimentel Gonçalves e Leonardo e Karen Spyrídes Boabaid Zupan.

José Isaac Pilati: É um prazer tê-lo entre nós e, além de sua simpatia, de certa forma pertence à grande família, posto que é cunhado do meu sobrinho Paschoal. Isaac, professor e advogado, é irmão de nossa prezadíssima Eloá, esposa de Paschoal.

Vereador Professor Manoel Scheimann da Silva, jovem e entusiasta, e Professora Vanilda Tenffen: Somente agora se deu a agradável oportunidade de conhecê-los, entretanto, haverá daqui por diante, tempo para nos conhecermos melhor. César Passold, advogado e nome conhecido na OAB e nos meios jurídicos do Estado.

O termo “academia” tem sua origem no jardim do herói Academo, que se situa próximo de Atenas, onde Platão se reunia com seus discípulos. Lá, fundou sua Academia Grega, que funcionou a partir de 387 a.C. Era então uma Escola de Filosofia.

O nome academia foi ressuscitado pelos humanistas do Renascimento e o hábito das reuniões e associações se espalhou, sobretudo nos países latinos.

Uma Academia de Letras, hoje, além do cuidado da língua e do fomento da literatura, suas principais atividades são a compilação de dicionários e gramáticas, edição de textos, atribuição de prêmios e outras.

Daí ser um organismo vivo que requer um funcionamento eficaz.

Por isso e finalizando, parece-me oportuno recordar um pensamento de um famoso escritor grego, Nikos Kazanzakis: Cada ser vivo é uma oficina onde Deus, secreto, processa a transubstanciação do barro.

Que a Academia de Letras de Palhoça venha a ser uma entidade viva e atuante e que Deus transubstancie o barro através da inteligência e do esforço dos seus e a faça germinar e crescer, dando excelentes frutos e resultados surpreendentes.

Muito Obrigada!


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