Panegírico

Panegírico em louvor a João da Cruz e Sousa - 24/11/1861 - 19/03/1898.

Por: Nicolau Manoel de Souza.

Apresentado no dia 27de março de 2018, às 15h00min, na Sede da ALP - Palhoça - SC.

Panegírico em louvor a um grande poeta, patrono da cadeira n° 5 da Academia de Letras de Palhoça, da qual fui agraciado. Seu nome: João da Cruz e Sousa. Um poeta catarinense, no qual nos orgulhamos pelo seu talento, pela sua genialidade, e pela composição de seus poemas. Fez parte do simbolismo, Movimento Literário que teve sua origem na França no ano de 1870. Reconhecido pela crítica francesa como um dos mais importantes simbolista da poesia ocidental. Nascido a 24 de novembro do ano de 1861, na vila Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis). Era filho de escravos alforriados : Guilherme da Cruz e Carolina Eva da Conceição. Seu pai era mestre-pedreiro. Sua mãe lavadeira. João da Cruz e Sousa nasceu livre. “LIVRE” Livre! Ser livre da matéria escrava, Arrancar os grilhões que nos Flagelam E livre penetrar nos dons que selam A alma e lhe emprestam toda a Etérea lava Livre da humana, da terrestre brava Dos corações daninhos que Regelam, Quando os nossos sentidos se Rebelam Contra a infâmia bifronte que Deprava. Livre! Bem livre para andar mais Puro, Mais junto à natureza e mais seguro Do seu amor, de todas as justiças. Livre! Para sentir a natureza, Para gozar, na universal grandeza, Fecundas e arcangélicas preguiças. Cruz e Sousa. O ex-senhor de seus pais, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa, que os alforriou e sua esposa Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, por serem desprovidos de filhos, passaram a adotar sobre tutela, (como filho de criação) o Joãozinho, dando-lhe o sobrenome Sousa. O menino foi contemplado com uma educação refinada. João foi cuidado e protegido pelo casal. Desde pequeno já tinha inclinação para as artes, língua e literatura. Não foi difícil para João aprender Francês, latim e grego. Como discípulo do Alemão Fritz Muller, aprendeu matemática e ciências naturais. Aos sete anos, fez seus primeiros versos. Aos oitos anos declamava em salões e teatrinhos. Versos em homenagem a seu protetor. Em 1871, com dez anos de idade, matriculou-se no Colégio Ateneu Provincial Catarinense (considerada a melhor escola secundária da região), onde estudou durante cinco anos. No qual aprendeu as matérias acima citadas. Com a morte de seus protetores, Cruz e Sousa foi obrigado a largar seus estudos em 1875. Então em 1877 passou a ministrar aulas particulares para seu sustento, publicando alguns versos em jornais locais. Seu interesse pelo universo cultural e político era visível. Em 1881 fundou com Virgílio Várzea e Santos Lostada, o jornal “Colombo” com conteúdos de conotação abolicionista. Que durou apenas quatro números. No qual proclamavam adesão à Escola Nova (o Parnasianismo). No mesmo ano redige artigos abolicionistas e ingressa em polêmicas literárias no jornal tribuna catarinense, no qual combateu a escravidão e o preconceito racial. Realiza conferências abolicionistas em várias capitais do Brasil, viajando pelo Brasil na Companhia Dramática Julieta dos Santos durante dois anos. Em 1883, quando retorna a sua cidade natal, fez amizade com o presidente de Santa Catarina, Gama Rosa . demonstrando sua inteligência, em 1884 foi nomeado promotor de Laguna. Mas não assumiu o cargo por repúdio dos demais políticos, por ser negro. Nesta época, Cruz e Sousa já se destacava como fervoroso conferencista próabolição. Cruz e Sousa, chamava atenção pelos seus inflamados discursos a favor da abolição. Em 1885, fez sua estréia na literatura. Lançou seu primeiro livro: “Tropas e Fantasias” em parceria com o contista e romancista Virgílio Várzea. Nesse mesmo ano assumiu a direção do Jornal “O Moleque”. Em 1888, no ano da abolição da escravatura, Cruz e Sousa vai para o Rio de Janeiro. Onde em 1890 fixa residência definitiva, trabalhando como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil. Colaborando também com diversos jornais, inclusive para o jornal do escritor e publicista José do Patrocínio. O ano de 1893 é marcante para o poeta. Como arquivista, consegue um rendimento parco, porem regular. Casa-se com a poetisa Gavita Rosa Gonsalves, negra e pobre como ele. Com quem teve quatro filhos. Todos mortos prematuramente pela tuberculose. Nesse mesmo ano publica a obra “Missal”, (prosa poética baudelairiana), e “Broquéis”, poemas em versos. Com essas obras, consagrou-se como o fundador do simbolismo brasileiro, por combinar o parnasianismo, o pessimismo, o materialismo a musicalidade simbolista, sob as influências de Baudelaire e Antero de Quental. Que se estende até 1922. Cruz e Sousa, não obteve o reconhecimento como poeta da maneira que merecia, mesmo participando ativamente do meio literário. Consequentemente não conseguiu conquistar estabilidade financeira através de suas obras. Seus desgostos agravaram-se com o casamento e sua vida se transformou numa luta contra a miséria e a infelicidade. A discriminação racial acentuou seu sofrimento. Sua esposa tem crises nervosa, seus filhos são atacados pela tuberculose. Em 1896, foi diagnosticada a tuberculose no poeta. Em 1898, viaja para a estação de sítio, Curral Novo, município de Barbacena em Minas Gerais, a procura de alívio para o mal. Morre três dias depois a 19 de março. Seu corpo foi transladado para o Rio de Janeiro, num vagão de transporte de animais. Foi sepultado no cemitério São Francisco Xavier, por seus amigos. Entre eles José do Patrocínio, onde permaneceu até 2007, quando seus restos mortais foram então acolhido no Palácio Cruz e Sousa, antigo palácio do governo do Estado de Santa Catarina. Atual Museu Histórico de Santa Catarina. No centro de Florianópolis. Em 1905, seu grande amigo e admirador, Nestor Vitor, publicou, em Paris, a obra maior do poeta, “Últimos Sonetos” e foi considerado pela crítica francesa um dos mais importantes simbolistas da poesia ocidental. Com a alcunha de Dante Negro ou cisne negro, foi um dos precursores do simbolismo no Brasil. Segundo Antonio Candido, Cruz e Sousa foi o “único escritor eminente de pura raça negra na literatura brasileira, onde são numerosos os mestiços.” Em 1961, sua obra completa “Cruz e Sousa, Obra Completa” foi publicada num volume de mais de oitocentas páginas em comemoração ao centenário de seu nascimento. Obras publicadas: “Tropos e fantasias”, (1885) Poemas em prosa, em parceria com Virgílio Várzea. Neste livro no título “A bolsa da concubina”, Diz que ‘o amor é uma torrente de circunstâncias anormais.” “Quanto maior é o amor, maior deve ser o sacrifício”. “O amor faz gigantes e faz anões, ilumina e entenebrece os espíritos nervosos e doentios. É como o cáustico; cura, mas deixa os sinais evidentes. “O amor ...é uma escada que tem uma extremidade na glória e outra no abisme”. “Missal,” publicado em (1893). Os poemas de “Missal são escritos em prosa. O simbolismo ainda é algo latente. A força Baldelairiana nesses poemas ainda não é reveladora. Faltam os brilhos a impetuosidade, grau de musicalidade e plasticidade. Onde tais qualidades Apareceram fortemente nos versos de “Broquéis”. Um trecho da obra “missal” em “ORAÇÃO AO SOL” Sol, rei astral, deus dos sidéreos azuis, que fazes cantar de luz os prados verdes, cantar as águas! Luminoso sangue original que alimentas o pulmão da terra, o seio virgem da natureza! Lá do alto zimbório catedralesco de onde refulges e triunfas, ouve esta oração que te consagro neste branco missal da excelsa Religião da arte, esmaltado no marfim ebúrneo das iluminuras do pensamento”. “Broquéis”, publicado em (1893), Obra composta por 54 poemas, sendo 47 sonetos. Marcada pela influência de Charles Pierre Baldelaire, o imortal poeta francês que traz o mal como algo belo. Os versos são decassílabos rimados. Com uma linguagem mais erudita, fazendo jogos de palavras. Usa a cor branca para representar a espiritualidade, que às vezes se confundem com o materialismo. Eis um soneto da obra : “SONHADOR” Por sóis, por belos sóis alvissareiros, Nos troféus do teu sonho irás cantando As púrpuras romanas arrastando, Engrinaldado de imortais loureiros. Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros, Das idéias as lanças sopesando, Verás a pouco e pouco, desfilando Todos os teus desejos condoreiros... Imaculado, sobre o lodo imundo, Há de subir, com as vivas castidades, Das tuas glórias o clarão profundo. Há de subir, além de eternidades, Diante do torvo crocitar do mundo, Para o branco sacrário das saudades. Como memória póstuma foram publicado seus livros: “Evocações” em (1898). Evocações é uma obra em prosa composto por 36 poemas onde expõe seus problemas humanos e sociais, e os sofrimentos de todos os seres humano. Os poemas em prosa de “evocações” já estavam reunidos em 1897, mas foram publicados postumamente em 1898 por iniciativa do amigo Nestor Victor. Um pequeno trecho da obra: “MELANCOLIA” “Falo ainda e sempre a ti, branco lusbel das espirituais clarividência! A ti, cuja ironia é ferro e é fogo! Cuja eloqüência grave e vasta faz lembrar, como a de Bossuet, longas alamedas de verdes e frondejantes, altos plátanos chorosos. A ti, que amargurado deploras toda esta decadência dos seres; a ti, que te voltas desolado e saudoso para os tempos augustos que se foram, quando a honra vã de hoje, era, como um poderoso e altivo brasão de águias negras atravessado de uma espada no centro!” “Faróis”, publicado em (1900). São poemas em versos de Cruz e Souza. Contendo 49 poemas. Organizado pelo próprio autor. Com visão associada às circunstancias humanas. É considerada uma das obras amadurecida do autor, foge da linha parnasiana sem perder a musicalidade. Uma musicalidade diferente da que usou em “Broquéis”. Apresenta grande maturidade em suas composições. Sem o rigor da regularidade métrica, mas mantendo o mesmo ritmo. Como por exemplo no poema: “CANÇÃO DO BÊBADO” Na alma e na noite triste Aquele bêbado vil Tu’alma velha onde existe? Quem se recorda de ti? Por onde andam teus gemidos, Os teus nectâbulos ais? Entre os bêbados perdidos Quem sabe do teu – jamais? Por que é que ficas a lua Contemplativo a vagar? Onde a tua noiva nua Foi tão cedo depressa enterrar? Que flores de graça doente Tua fronte vem florir Que ficas amargamente Bêbado, bêbado a vir? Que vês tu nessa jornadas? Onde está o teu jardim E o teu palácio de fadas Meu sonâmbulo arlequim? De onde trazes essa bruma Toda essa névoa glacial De flor de languida espuma Regada de óleo mortal. Que soluço extravagante Que negro, soturno fel Põe no teu daudejante A confusão da Babel? Ah! Das lágrimas insanas Que ao vinho misturas bem Que de visões sobre-humanas Tua alma e teus olhos tem! Boca abismada de vinho Olhos de pranto a correr Bendito seja o carinho Que já te faça morrer! Sim! Bendita a cova estreita Mais larga que o mundo vão Que possa conter direta A noite do teu caixão! “Últimos Sonetos”, publicado em (1905), edições organizadas por Nestor Victor. Com mais de cem poemas, em ultimo soneto, o poeta realizou o ideal simbolista de exploração do poder pleno da palavra. Seu agudo senso estético levam-no a uma poesia original e profunda. O poeta reage diante do descaso para com suas obras artística. Em vários poemas , o poeta tematiza desejos de reconhecimentos. O poeta tinha consciência da proximidade da morte e desesperava-se. Seus poemas ficaram dramáticos. Queria ser reconhecido entre os escritores da época. O poeta desabafa sua angustia nos sonetos da obra “últimos Sonetos”. Mas não teve o prazer de ver esta obra publicada. Entre a sensibilidade e a opressão, Sousa capitula uma vida de auto sofrimento. O enigma do preconceito absorveu em vida a ansiedade do reconhecimento. Como sentimentos expressos em: “VIDA OBSCURA” Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, Ó ser humilde entre os humildes seres. Embriagado, tonto dos prazeres, O mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste num silêncio escuro A vida presa a trágicos deveres E chegaste ao saber de altos saberes Tornando-te mais simples e mais puro. Ninguém te viu o sentimento inquieto, Magoado, oculto e aterrador, secreto, Que o coração te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos Sei que cruz infernal prendeu-te os braços E o teu suspiro como foi profundo! “O livro derradeiro”, (1961). Uma publicação póstuma com poemas, contendo inéditos e outros publicados antes pela imprensa. Sua primeira publicação se deu em 1945, sendo expandida novamente em 1961. O QUE PENSO Alforriado um ilustre aparece Prevendo um futuro ardiloso Na humildade as leis obedecem Num simples retrato majestoso. Racismo, fonte da descriminação Na alforria, inspiração em abundância Seus versos fascinam com erudição Fiel ao simbolismo, o gênio se lança. Provido de asas esse gênio a legar Movido de sentimentos e emoções Abre as asas para bem alto voar Sem perceber os elos dos grilhões. Imortalizaram-lhe no mérito de ser Da genialidade colheu frustração Apagaram-lhe o prazer de viver Esqueceram-se da fértil inspiração. A cor negra refletindo majestade De tão clara, seu reflexo é raridade Contemplada com o verso da razão. Do amargor renasceu sabedoria E a família que formastes um dia Declinou-se em extrema unção. Deste coração humilde e obscuro Que parou de bater prematuro No tempo, virtude o perpetuou. Canonizado dentro desta arte Com a forma mágica edificaste A grande idéia que se imortalizou. Na tristeza ou alegria, escrevendo Escreveu quando estava morrendo Poemas ricos de grandes conceitos. Como alusão da vida em translado Até mesmo na condição, sepultado Esbarrou no doentio preconceito. Preso com as grades do racismo Nem com o memorável civismo Marcava um lugar no presente. O reconhecimento justo da verdade Chega com um atraso covarde Aprovado por seus remanescentes. Agora estás sendo contemplado Por todos seus méritos agraciados Promoção que jamais desfrutou. Nos relicários sempre subjugados No cansaço de viver relegado Onde o racismo sua vida castrou. Nicolau. Cruz e Sousa é patrono da Academia Catarinense de letras, representando a cadeira n° 15 Ano 2018. Acadêmico: Nicolau Manoel de Souza


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