Panegírico

Panegírico em louvor a Jorge Lacerda - 20/10/1914 -16/06/1958

Por: Adriana Martins Tijs

Apresentado no dia 31 de outubro de 2023, às 20h00min, no Centro Cultural Laudelino Weiss, em Palhoça - SC.

 

Kastelórizo é a ilha grega mais próxima à Turquia, fronteira entre o Oriente e Ocidente. Foi uma das cidades da Grécia que mais sofreu destruição nas grandes guerras.  Os gregos foram um povo submisso, proibidos de professar a religião ortodoxa e estudar. Porém, mesmo com a invasão turca, mantiveram escolas e igrejas, conservando sua cultura. Por causa das guerras, continuou o êxodo na Europa: Os gregos emigraram para as Américas e Austrália.  Dia 17 de março de 1821, declarou-se a revolução da Grécia contra a Turquia.

Dia 12 de janeiro de 1914, os kastelorízeos Komninos Lakerdis e Anastassias Savas Ioannides se casam na Igreja de São Constantino e partem ao Brasil. Anastassias já estava grávida a bordo do vapor italiano Francesca quando chegaram ao Porto do Rio de Janeiro e, depois, no Porto de Santos, em São Paulo.

Nasceu em 20 de outubro de 1914, em Paranaguá/PR. Registrado em cartório como Jorge Cominos Lacerda, com data de nascimento em 1o de agosto de 1915. Filho de Komninos Giorgis Lakierdis e de Anastácia Joanides Lakierdis, imigrantes gregos da Ilha de Kastelorizon. Até os cinco anos, Jorge falou apenas a língua grega, em seguida, o português.

Na terra natal, iniciou os primeiros estudos na Escola Paroquial de Paranaguá na Praça da Matriz. Ao perceber o gosto pelos estudos, seu professor, padre José Adamo, lhe presenteava com livros. Não havia o curso ginasial em Paranaguá.

A família Lacerda se mudou para Florianópolis (capital de Santa Catarina), na qual existia a colônia grega mais antiga do Brasil, fundada em 1883, ao final da Monarquia.

Jorge estudou no Gymnásio Catharinense, atual Colégio Catarinense. Marcílio Medeiros não frequentava a mesma sala de Jorge, pois estava um ano à frente, mas conta: “Era um rapaz muito inteligente, muito agradável. Se distinguia entre os outros nas aulas, nos boletins. Era muito educado, muito estimado por todos”. Constantino lembra do irmão jogando futebol e do seu esforço para incentivar o time. Recorda que, a todo momento, ele se preocupava com a política. Desde a época do ginásio, e assim por toda a vida, estava “sempre fazendo discurso”.

Além do currículo, os professores recomendavam a Jorge ler Aristóteles, Platão e Marco Cícero. Foi um dos alunos que ganharam a Menção Honrosa do Gymnásio Catharinense.

Quando Jorge se formou no ginasial, lhe ocorreu a dúvida entre escolher medicina, que era o sonho de sua mãe, e o curso de direito, o qual tinha vontade. Optou pela formação de médico na Universidade do Paraná, em Curitiba, pois em Florianópolis ainda não havia esse curso, e foi morar com os amigos de ginásio na capital paranaense.

Marcílio recorda: “Tínhamos contato todos os dias. Jorge morava em uma pensão quase só de catarinenses, rapazes estudantes. Ele já se destacava, era bom orador”.

Ainda quando estava na faculdade de medicina, na década de 30, Lacerda escreveu seus primeiros artigos e poemas para jornais. No dia 9 de julho de 1932, São Paulo iniciou o movimento armado da Revolução Constitucionalista. Os comandantes de Vargas para aquele estado não foram aceitos pela oligarquia cafeicultora, Exército e as classes médias, gerando rebeliões. No final de 1932, dia 28 de novembro, Jorge publicou um poema sob o pseudônimo de Greguinho, com duras críticas a Vargas, expondo sua insatisfação ao regime:

Palavras de ex-integralistas Jorge. “Eu aderi ao integralismo devido a seu programa de defesa do nacionalismo e do Estado forte. Eu acreditava que a política da época estava inspirada por um liberalismo anárquico e que era preciso um governo mais forte. Eu tinha, também, uma grande admiração pelo fascismo italiano, mas com o início da Segunda Guerra Mundial desiludi-me. Eu não gostava de Hitler [Adolf Hitler, presidente da Alemanha, 1933 a 1943], porque era fanático e orgulhoso e porque conduziria o mundo para um conflito.”

Jorge participava da Sociedade de Estudos Políticos – SEP, o princípio integralista. Escrevia no jornal A Razão, do Paraná. Constantino distribuía os exemplares em Florianópolis. Os jovens tinham espaço no crescente movimento. Marcílio conta: “Jorge ingressou no integralismo e logo se destacou. Ele era ardoroso integralista, mas nunca brigou com ninguém por causa de política. Talvez, por ele ser idealista, achava que o integralismo iria resolver muitos problemas no Brasil”.

Anastacia, mãe de Jorge, faleceu em 1933 muito jovem. Novamente lhe veio a dúvida da carreira de médico. Todavia manteve a promessa de se formar na Faculdade de Medicina.

Constantino Lacerda diz: “Plínio Salgado promovia a revolução de almas e não de armas”. Porém os integralistas se frustraram com a proibição pelo decreto de Vargas. Apoiados por liberais, Exército, Marinha – e, no início, por comunistas –, os revoltosos da ditadura invadiram o Palácio Guanabara para raptar o presidente. Na madrugada de 11 de maio de 1938, houve o Levante Integralista pessoas da própria segurança do presidente Getúlio ajudaram os rebeldes. Houve um intenso tiroteio entre sua família e os soldados. Vários invasores morreram. Noticiou-se que uma bala de fuzil “PASSOU A MENOS DE METRO DO CHEFE DA NAÇÃO!” Por desistência de muitos e a falta de coesão do grupo o golpe fracassou.

Parte deles foi presa. No outro ano, Plínio Salgado, ciente da trama, foi mandado para a Fortaleza de Santa Cruz, no Rio, e exilado em Portugal. Uma ordem de prisão foi emitida a Jorge Lacerda.

Lembra Constantino que “a ordem de prisão chegou em Florianópolis. Quem era o delegado lá era o Ary Pereira Oliveira, colega de ginásio do Jorge;

Jorge não podia voltar a Santa Catarina e montou um consultório em São Paulo. Uma vez por semana, viajava a Cotia, no interior do estado, para atender pessoas de baixa renda no segundo andar da farmácia de Pompílio Salgado, irmão de Plínio.

Em 1940, trabalhava como médico em São Paulo quando foi convidado por Cassiano Ricardo após publicar artigos de Cruz e Sousa, Fernando Pessoa e outros expoentes da literatura, para trabalhar no jornal “A Manhã”, do Rio de Janeiro. Juntamente com o exercício da medicina, Lacerda era articulista do periódico carioca, produzia o editorial do jornal três vezes por semana, realizava o copy desk de matérias de fundo e de notícias nacionais e internacionais. Também colaborava com as matérias culturais e artísticas.

Era um grande jornal, que muito contribuiu para a modernização do jornalismo no Brasil. Ao lado do Correio da Manhã residiu por muitos anos no Rio de Janeiro/RJ, onde atuou no jornalismo cultural e exerceu o cargo de Oficial de Gabinete do Ministro da Justiça, Adroaldo Mesquita da Costa, em 1949. Fundou e dirigiu o caderno literário Letras e Artes, do jornal A Manhã, que contou com a colaboração de escritores e artistas renomados, entre eles, Carlos Drummond de Andrade Correio da Manhã, dos Diários Associados, do Diário de Notícias.” Cada número era, assim, uma antologia de literatura e habilidade política. O fato parece insignificante, mas exprime o dom lacerdino de fazer o melhor, não desprezando detalhes” (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1956; in A GAZETA, 1956).

Nesse período, Lacerda passou a conviver com pintores, músicos, poetas e outros intelectuais que viviam na capital federal. Em 1941, por exemplo, conheceu Vinícius de Morais. Mas Lacerda ganharia notoriedade em 1946, quando passou a editar o suplemento dominical “Letras e Artes”, no mesmo jornal.  “Esse suplemento foi considerado uma evolução no mundo das artes, um marco na literatura brasileira. Na época, a televisão ainda não existia e o jornal era o principal meio pelo qual as pessoas se informavam”, comenta o administrador Roberto Lacerda Westrupp, neto de Jorge Lacerda, que há mais de dez anos pesquisa a vida do avô. Roberto complementa, “Ele ganhava muitos quadros de pintores também”. No período em que esteve à frente do suplemento, o ex-governador conviveu com escritores, artistas e pensadores consagrados, como Manuel Bandeira, Cecília Meirelles, Carlos Drumond de Andrade, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Lygia Fagundes Telles, Mário Quintana, e passou a ser reconhecido nacionalmente como um intelectual. Segundo o escritor Salim Miguel, em depoimento ao documentário “Memórias de Jorge Lacerda”, o ex-governador ajudou muito os artistas catarinenses, apresentando-os aos grandes nomes das artes e da literatura nacional. Por causa de uma declaração de Portinari ao jornal, Jorge foi demitido.

Despedida do A Manhã. Jorge discursou no Rio, a pedido da professora Maura de Senna Pereira, na Noite de Arte Catarinense. “Não é demais ressaltar a significação desse sadio espírito regionalista, de modo a se fundirem, numa expressão de brasilidade, o sentimento da província, a que pertencemos, e o da nação, de que somos parte. Esse saudável sentimento regional não no-lo atenua o espaço, nem o tempo, pois conosco trazemos a terra longínqua, como as conchas do mar trazem consigo as vozes do oceano. Ressoa, ainda, em nossos ouvidos, o marulho suave das águas de todos os rios, que marcham fecundando os vales catarinenses. Guardamos em nossas retinas

o colorido da paisagem, daquelas campanhas verdes que se desdobram no planalto, erguendo para o céu a silhueta heráldica dos pinheiros – velhos obeliscos vegetais – à sombra dos quais desfilam, em cadenciada marcha, tangidas pelos vaqueiros, as monótonas boiadas”

Casamento

Aos dezessete anos, Kyrana recebeu uma proposta de casamento de um grego muito rico, de Laguna, que já era de idade avançada. Ele a presenteou com uma grande corrente de ouro. A cortejada, porém, recusou o pedido e lhe devolveu a joia. Quando Kyrana nasceu, sua mãe havia prometido à mãe de Jorge que eles se casariam. Entretanto Syriaco era contra a ideia.

No ano de 1942, continuava a ordem de prisão a Jorge em terras catarinenses. Assim, na sua cidade natal de Paranaguá, com a presença das famílias, Jorge pediu Kyrana em casamento. Eles se casaram em Paranaguá, na casa de seus tios João e Rosa.

A 2ª Grande Guerra estava no auge quando o Brasil enviou jovens para lutar na Itália, os pracinhas. Jorge conseguiu dispensa por ser casado. Kastelórizo, a ilha grega de onde seus pais viera estava sendo devastada pelos alemães.

O casal morou no Edifício Regência, na Rua República do Peru, em Copacabana.

O jornalista e doutor prestou concurso de médico no Serviço de Assistência a Menores – SAM, antigo centro de reabilitação de adolescentes. Atual Febem; em outro concurso medicou no Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE.

Quando o marido chegava com uma turma de meninos de rua, Kyrana preparava bolo para acalmar a fome deles.

Irene, a primeira filha do casal, nasceu em 1943. Na época, pensava-se que no período de amamentação não era possível engravidar, mas Kyrana já estava esperando a segunda filha, Zoê.

O político e a cultura

Depois da 2ª Guerra, veio a redemocratização de 1945: o povo pôde escolher seu presidente. Elegeu-se o general Eurico Gaspar Dutra (Partido Social Democrático – PSD, ex-ministro da Guerra de Vargas), derrotando o brigadeiro Eduardo Gomes (União Democrática Nacional – UDN). Nereu Ramos (PSD-SC) se elegeu indiretamente à Vice-presidência em 1946.

Jorge trabalhava no A Manhã, SAM, IPASE, e não se afastou da política. Liderada por Plínio Salgado, a Acção Integralista Brasileira se rearticulou no Partido de Representação Popular –

PRP. Ele se filiou e concorreu às eleições de 45 para deputado federal em Santa Catarina. Cesar Luiz Pasold, advogado, biógrafo de Jorge, relata: “Ele cultivava as relações pessoais e políticas

com seus amigos e companheiros”. Jorge havia recomeçado os estudos universitários na Faculdade de Direito e Ciências Sociais de Niterói em 1944. Constantino diz: “Quando ele fala dos ‘direitos imprescritíveis do homem’, isso ele tirou da formação de Direito. E foi um dos seminaristas, nota dez no exame oral, que havia na época. De forma que foi um curso meio desigual, ele fazer um curso de Direito já com um background bárbaro. Mas eu achava necessário porque entrava essa parte administrativa, essa complexidade de Federação”.

Lacerda não desistiu de se candidatar a deputado federal por Santa Catarina. Nas eleições de 1950, para obter os votos necessários de legenda, coligou o Partido de Representação Popular – PRP com a grande União Democrática Nacional – UDN. Em 1948, durante a Faculdade de Direito, Jorge foi assessor do ministro da Justiça e Negócios Interiores, Adroaldo Mesquita da Costa, dedicando parte do trabalho aos catarinenses.

No Vale do Itajaí, ajudou pessoas de Blumenau, cujas famílias de imigrantes europeus buscavam sua naturalização. Eles eram hostilizados por não regularizar os papéis. Existiam muitas dificuldades para obter a cidadania brasileira, com vigaristas extorquindo dinheiro dos imigrantes. Jorge se ofereceu para conseguir os vistos. Receosas, as pessoas não queriam mais conversar sobre o assunto. Entretanto, tempos depois, ele voltaria com os documentos normalizados. Os imigrantes lhe perguntavam do custo. Jorge dizia que era parte do seu trabalho e não teriam despesas.

Mesmo residindo no Rio de Janeiro, ele percorria os municípios do interior catarinense e do Paraná. As viagens eram, sobretudo, para a região oeste de Santa Catarina, lugar pouco visitado pelos políticos devido à dificuldade de acesso.

Ele era um excelente orador, muito irônico e contava muita coisa engraçada para a população. O pessoal daquela região não tinha muita ligação com Florianópolis e nem gostava muito de funcionário público, porque tinha a imagem de gente que ganhava muito e quem trabalhava mesmo era na iniciativa privada.

Em Joaçaba, havia poucos funcionários públicos, a maioria era na capital. Na própria rádio, em Joaçaba, ao ser entrevistado, contou uma piada que causou muito sucesso. Disse que, uma vez, tinha desaparecido um leão do circo e entrado no Edifício das Secretarias. Tinha ficado lá e demorado para ser encontrado. Cada dia, ele devorava um funcionário público e ninguém notava isso, só acharam o leão quando ele comeu o moço do cafezinho

A eleição de Jorge para deputado federal surpreendeu os colegas do Letras e Artes. Manuel Bandeira diria: “A extraordinária habilidade que Lacerda punha naquela empreitada jornalística, punha-se ele também, sem que o suspeitássemos, em sua atividade política, e um dia, com imensa surpresa nossa, vimos Jorge eleito deputado com votação superior a do veterano Nereu Ramos” (JORNAL DO BRASIL, in LITORAL).

Jorge Lacerda foi eleito pela primeira vez como deputado federal de Santa Catarina em 1950. A atuação na Câmara dos Deputados não o afastou do meio cultural. Na condição de parlamentar, ele apresentou o projeto de lei que destinou 10 milhões de cruzeiros para o início da construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM).  A iniciativa contou com apoio da classe artística nacional.

Entre as atividades desenvolvidas no Parlamento, destacou-se por ter apresentado o Projeto de Construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e por sua defesa do Plano Nacional do Carvão, do qual foi Relator.

Jorge Lacerda:“Somos o País das riquezas potenciais. A carta geológica do Brasil é ainda um mosaico precário, inacabado, de estudos estrangeiros e alguns nacionais!”

Após seu atentado, Carlos Lacerda acusou o presidente Getúlio de “patriarca do roubo” (KELLER, s/d). O estopim foi o suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954. Café Filho (PSP), vice-presidente, assumiu a Presidência do País.

O governador de Minas, Juscelino Kubitschek (PSD), ganhou as eleições de 3 de outubro de 1955 para presidente com 36% das cédulas. Juarez Távora (UDN) recebeu 30% dos votos.

Nas eleições de 1954 para deputado federal em SC, Joaquim Ramos (PSD) se reelegeu e teve a maior votação. Jorge, de novo coligado à UDN, ficou em quarto lugar nas urnas.

Walter Zigelli, jornalista, ex-procurador estadual, recorda daquela campanha: “Jorge não tinha recursos econômicos. Não era empresário e nem banqueiro, era um intelectual. Os votos eram conquistados pela simpatia e contato com o povo. Ele viajou daqui a Campos Novos de ônibus e, durante a viagem, foi conversando com os passageiros. Eles se encantaram com as suas propostas e se empenharam pela sua eleição.” No segundo dia de contagem das urnas, o favorecido era o candidato pessedista. Ao quarto dia, vieram os resultados do oeste. Lacerda se elegeu por 3136 votos a mais que Gallotti.

Em 1955, candidatou-se a Governador de Santa Catarina, pelo PRP, novamente em coligação com a UDN. Eleito com 172.548 votos, tomou posse em 31 de janeiro de 1956, recebendo o cargo de Irineu Bornhausen.

Uma semana após as cerimônias e festejos de posse, Jorge e sua família se transferiram para o Palácio da Agronômica, recém-reformado pelo governo antecessor de Irineu Bornhausen, localizado naquele bairro da capital. Irene e Zoê não foram morar com os pais e continuaram internas no Colégio Sacré-Coeur de Marie, no Distrito Federal. Somente a pequena Cristina Maria ficou em Florianópolis. A primeira-dama Kyrana recebia as pessoas no Palácio. Mulheres com filhos chegavam de ônibus para conhecer a casa do chefe do Executivo onde eram servidos com lanches pelo maitre Rodolfo João Fuhrmann. Moisés Vieira, vidraceiro, foi uma das crianças do Abrigo de Menores do Estado, que funcionava ao lado do Palácio. Quando chegava o Natal, Moisés se lembra de cantarem para o governador em apresentações de coro.

Jorge Lacerda foi o precursor das audiências públicas na administração, viajava pelo Estado para ouvir da própria sociedade as demandas e toda quinta-feira recebia a população no Palácio do Governo sem agendamento prévio.

Sua gestão foi marcada pela reestruturação administrativa, quando aconteceu o maior aumento salarial para o funcionalismo público estadual (70%), pelo primeiro levantamento aerofotográfico de Santa Catarina, para auxiliar na expansão das estradas e nos estudos das bacias hidrográficas, e pelos incentivos à cultura, como a reforma do Museu de Arte Moderna no Estado. Entre tantas obras realizadas, destacam-se: Sociedade Termelétrica de Capivari (SOTELCA), hoje Complexo Termelétrico Jorge Lacerda; Construção de 48 escolas, incluindo expansão do Instituto Estadual de Educação (IEE), em Florianópolis, atualmente a maior escola pública da América do Sul;

Iniciadas as bases para a construção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);

Criação da Faculdade de Engenharia de Joinville, em 1956;

Em janeiro de 1956 o Partido Social Democrático – PSD entrou com uma ação para impugnar a eleição de Jorge ao governo. Alegaram que havia mais votos do que eleitores no estado. Waldir Busch, advogado da UDN, defendeu Lacerda. Lacerda foi ao Rio em junho acompanhar o julgamento. Na audiência, expôs o ministro José Duarte: “É impertinente carrear a ação”. Ministro Cunha Vasconcelos afirmou: “Trazer-se para Corte Superior Eleitoral recurso dessa ordem, pretendendo anular um pleito geral sob invocação de possível fraude, é temerário” (O ESTADO DE S. PAULO, 1956). Os seis ministros da Justiça Eleitoral negaram a ação, declarando a denúncia insubsistente. Indeferido o processo, o governador retornou a Florianópolis acompanhado pela população desde o Aeroporto Hercílio Luz até a Praça XV de Novembro onde, na sacada do Palácio, agradeceu o apoio de todos os partidários.

Durante a Mostra de Dois Anos do Governo, no Teatro Álvaro de Carvalho, foi distribuído ao público um kit de fotos do Levantamento Aerofotogramétrico de Santa Catarina, executado pela firma Cruzeiro do Sul, a pedido do governador. Utilizados os óculos tridimensionais para observar os anáglifos.

A nova Capital Federal começou a ser idealizada no governo do presidente Juscelino Kubitscheck. Santa Catarina participou da construção com produtos de Joinville e Blumenau, azulejos de Criciúma, geradores de Joaçaba e madeira das obras permanentes e temporárias de Caçador, oeste do estado. Em 1891 a Constituição Federal previa a mudança da sede ao interior. Brasília foi erguida com os arquitetos Lúcio Costa (Plano Piloto) e Oscar Niemeyer, sob os cuidados da Companhia Urbanizadora da Nova Capital – Novacap, na presidência de Israel Pinheiro. Sua inauguração ocorreu em 21 de abril de 1960.

Última Viajem

Por alguns contrapontos políticos, Jorge resolveu falar com Plínio Salgado, que às segundas-feiras estava em São Paulo, e com Jânio Quadros. Na sequência, iria ao Rio, para voltar na próxima quarta-feira 18 com o presidente Juscelino, e assinar a criação da Usina Siderúrgica de Laguna, um plano desde quando Lacerda era deputado federal.

Às oito horas da segunda-feira, Jorge tomou o café e passou no quarto das filhas. Ungaretti lembra: “Ele me telefonou de manhã me pedindo para ir lá. Eu fui, trabalhamos um pouco. Eu tinha prova na Faculdade de Direito, ele insistiu que eu fosse ao aeroporto com ele. ‘Mas eu tenho prova, governador!’ ‘Ah, mas você faz a prova outro dia.’ Eu fui com ele”.

Ao meio-dia, almoçaram Kyrana, Jorge, Ungaretti, José Carlos Serra e Paulo Bandeira – dois membros do PRP carioca. Plínio enviara os correligionários para tentar mudar a opinião do governador sobre sua candidatura. No entanto eles também perceberam que Lacerda ficaria numa situação crítica na UDN. No trajeto para o aeroporto, Jorge e o vice-governador Heriberto Hülse foram assessorados pelo secretário Ungaretti e o ajudante de ordens, tenente Carlos Alcides Lauth.Retornariam no mesmo voo os perrepistas José Carlos e Paulo Bandeira.

Ungaretti descreve aqueles momentos de Jorge: “Ele não queria que os adversários soubessem que ele iria a São Paulo falar com Plínio Salgado, porque o Plínio era uma espécie de noiva requisitada por vários pretendentes”. Fernando Bastos comentou a Paulo Konder Bornhausen: “Tal conversa, no entanto, por exigência de Jorge, deveria ser acobertada do maior sigilo, já que seu resultado era imprevisível” (BORNHAUSEN, 1999).

Explica Ungaretti: “Então, ele resolveu tirar a passagem com outro nome, Pedro Santos [alfaiate de Jorge]. Era este Pedro Santos o personagem fictício que aparecia na relação dos passageiros.

Mas todo aquele segredo ficou prejudicado. Quando nós chegamos ao aeroporto, estavam lá o carro do Dr. Aderbal Ramos da Silva, prestigioso chefe do PSD, e que, naturalmente, tinha ido levar o presidente Nereu Ramos, seu tio e líder; e, também, o carro do prefeito de Florianópolis, Sr. Osmar Cunha, igualmente do PSD.”

Ungaretti advertiu: “Olha, senhor governador, o senhor queria viajar em sigilo, mas os chefes dos adversários estão aí, vão ver o senhor embarcar”.

Disseram os seus assessores que Jorge pensou em desistir. Porém, para evitar especulações de que ele não queria viajar com o ex-presidente Nereu Ramos, manteve a viagem.

A rádio Diário da Manhã noticiou: “Falecia, tragicamente, às primeiras horas da noite de 16 de junho, o governador Jorge Lacerda, em desastre aéreo nas proximidades de Curitiba”.

Outras pessoas que perderam a vida foram o senador Nereu Ramos; deputado federal Leoberto Leal; José Carlos e Paulo, do PRP; e o jornalista Sidney Nocetti, ex-sócio de O Estado.

Conforme noticiaram os jornais da época, a aeronave se preparava para a escala na capital paranaense, no fim da tarde de uma segunda-feira. Chovia muito, ventava forte e a visibilidade era baixa no momento da aproximação do aeroporto de São José dos Pinhais. Sobreviventes relataram que avião sobrevoou Curitiba por um bom tempo. Em determinado momento, parecia que a aeronave perdia altitude, até que uma das asas se chocou com árvores. Em seguida, o Convair, desgovernado, caiu em uma área de difícil acesso, numa localidade rural a cerca de oito quilômetros do aeroporto. De uma vez só, Santa Catarina perdia os três maiores nomes de sua política à época. Para historiadores e jornalistas, esse acidente alterou os rumos da política nacional, já que Lacerda era cogitado a ser candidato a vice-presidente da República nas eleições de 1960.

No dia seguinte, Nereu Ramos, Leoberto Leal e Jorge Lacerda foram velados no Palácio Iguatemi, em Curitiba. O povo acompanhou o enterro e parou na frente da “Casa do Governador” para a salva de tiros.

Seu mandato foi interrompido em 16 de junho de 1958. Foi sucedido pelo Vice-Governador Heriberto Hülse, que permaneceu na função até 31 de janeiro de 1961.

Como consequência, não foram concretizadas a Usina Siderúrgica de Laguna e o novo prédio da Biblioteca Pública Estadual, em Florianópolis, outro plano do governo.

Túmulo de Jorge doado com o Decreto nº 58, de 19 de junho de 1958, pelo prefeito de Florianópolis, Osmar Cunha. O Anjo foi doação do escultor Bruno Giorgi. Lacerda possuía um único imóvel, não tinha carro. Eugênio Taulois Trompowsky Filho, juiz de Direito da capital, proferiu:

“De seus atos como governante, deu exemplo edificador, pois nenhum deles chegou a ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, o que demonstra, sem dúvida, a sua constante preocupação de praticá-los todos dentro do princípio da Justiça” (O ESTADO, 1958). Em dezembro de 1958, o governador Heriberto Hülse designou Kyrana a ser cartorária. Ortodoxa, a ex-primeira dama, usou roupas pretas por dez anos. Continuou  auxiliando na Campanha Nacional dos Educandários Gratuitos – CNEG; Colônia Grega de Florianópolis; Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; Clube Soroptimista; Grupo Integrado de Obras Sociais – GIOS. Ela foi homenageada nos 40 anos da Rede Feminina Estadual de Combate ao Câncer – SC, 2001.

Faleceu dia 3 de agosto de 2014, no centenário de Jorge, aos 90 anos.

O nome do ex-governador Jorge Lacerda foi eternizado em escolas, ruas, avenidas, rodovias e outros logradouros em Santa Catarina e até em outros estados. Ele ainda dá nome a um município e um distrito catarinenses.

Moacir Pereira em seu livro descreve : “Jorge Lacerda é uma das mais brilhantes personalidades de nosso País, sobre quem pouco tem se transmitido às gerações que o sucederam. Reconhecendo outras importantes contribuições, reparar em parte esta omissão é o objetivo desta obra, pois sua prematura e fatal perda em 1958, não pode obscurecer seu legado. Estão aqui os principais discursos de Jorge Lacerda, revelando, além de algumas das suas principais ideias, preocupações e propostas, a sensibilidade que tinha ao tratar os problemas humanos, sociais e econômicos de Santa Catarina, bem como seus atributos para motivar e proteger a produção cultural nacional. Também artigos, depoimentos e crônicas de ilustres intelectuais brasileiros, consagrando-o e elevando-o como importante vulto da Nação. São páginas que ilustram a memória do grande humanista e estadista aqui biografado, seja como jornalista, notável incentivador e promotor da nossa cultura, ou como político, brilhante parlamentar e aplaudido governador.”

Eugênio Doin Vieira: “Era muito mais um pensador, um artista, um intelectual do que um político. Conquistava pela simplicidade pessoal, pela cultura aprimorada, pelo verbo fluido e elegante, pela tolerância extrema e pela bondade permanente. Estava em pleno voo ascensional, havia bem pouco iniciado na vida política, quando a fatalidade o apanhou e sua presença se tornou memória; sua lembrança, saudade; seu futuro, passado; sua existência, recordação; e seu nome, História.

Plínio Salgado:“Foi realmente, pelo equívoco de um desencontro, que Jorge Lacerda teve de apanhar o avião em Florianópolis para conferenciar comigo em São Paulo acerca da política de Santa Catarina. Não tendo tido eu ocasião de lhe explicar e explicitar certos acontecimentos da política daquele Estado, e sabendo Jorge que eu regressava de Belo Horizonte para São Paulo, tratou de embarcar no avião fatídico para se encontrar comigo na Capital bandeirante. Este fato ainda mais pesou na minha dor, por ter ignorado qual a mensagem, qual a palavra que Jorge, em grande angústia, queria revelar-me.”

Palavras de Othon Gama D’eça

Jorge Lacerda foi, na realidade, uma criatura querida dos deuses. Viveu como um efebo, numa eterna puberdade espiritual e encantadora; e morreu como Ícaro, numa tragédia imensa, sob asas metálicas que se espatifaram no chão!

Sobre sua vida, verdadeiramente tão breve mas de fato tão bela, parece haver se projetado, por influências cruéis de Nêmesis, aquela dura fatalidade que ensanguentou os caminhos de Édipo ou aquele ânimo implacável que acorrentou, no cimo do Cáucaso, o Gênio bom que roubara ao Olimpo, numa cana frágil, a chama que aqueceu de amor o tímido coração do Homem.

Se houvesse vivido na adolescência do mundo grego, quando por sobre a Hélade soprava o zéfiro sonoro do heroísmo e das proezas, ter-se-ia coroado de rosas para se ir bater, ao lado de Sófocles, em Salamina, ou então, tripulante do ARGOS, desembarcaria na Colchida à conquista do Velocino de Ouro.

Mas nasceu neste século de blagues e de mercantilismos e a sua existência deveria ter ficado presa às contingências do mundo do seu tempo. De resto, Jorge Lacerda não se fixou à gleba núbile ou aos interesses do dinheiro, como qualquer legume ou qualquer argentário. Amava, na verdade, a terra pelo pão que ela lhe dava; todavia, amava muito mais os céus porque neles palpitavam as estrelas divinas e eternas.

Até nisto Jorge Lacerda espelhava os velhos encantamentos do seu sangue; assim eram os Pelágios, que trouxeram da Trácia os seus rebanhos e as suas estrofes bárbaras; assim eram, também, os gregos olímpicos que se contentavam com um punhado de lentilhas, desde que o mar fosse azul e transparente o céu.

Quando o conheci, ele era quase um menino: tinha qualquer cousa de aedo, mas um aedo profano, da têmpera dos eólios, e que transformava em poesia as rudezas da vida e em canções amenas os cantos ásperos dos trabalhadores.

Mesmo empolgado pelas momentâneas ilusões da política, falando ao povo, ele muita vez me fez lembrar um rapsodo moço, alegre, feliz e radiante, recitando num teatro, ao som da lira grega e aos ritmos do verso homérico.

E orador de rua, deputado, governador ou homem de letras, Jorge Lacerda jamais deixou de ser um grego na mais alta e mais harmoniosa das expressões, tanto pelo milagre da sua ancestralidade como porque nasceu neste país onde os homens, como os velhos helenos, também amava a Beleza, a Música e a Liberdade.

Jornal O Estado, década de 1960.

Referencias:

Jorge Lacerda: uma vida muito especial; César Luiz Pasold; editora OAB/SC; Florianópolis, 1998]

Jorge Lacerda uma época de ouro - Roberto Westrupp - Florianópolis, 2019.

Wikipedia Google.

Livro: Jorge Lacerda, jornalista, humanista, estadista do escritor Moacir Pereira.


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